“A opinião pública não confia em vocês e desconfia de mim. Eu confio no
meu taco, e confio muito em vocês. Minha dúvida é se vocês confiam em
vocês. Precisamos de autoconfiança porque o respeito vem de dentro pra
fora. Se estivermos unidos, iremos longe”.
Foi assim que Paulo de Almeida Nobre se apresentou aos jogadores do
Palmeiras um dia depois de ser eleito presidente, em janeiro. “Ir longe”
significava voltar ao lugar de origem: a primeira divisão. Objetivo
alcançado sem grandes tempestades, no último sábado. O discurso veio da
alma verde, do sangue verde, do coração verde.
O dirigente é tão fanático que até parece um político populista
tentando agradar a seu eleitorado. Mas basta um passeio por sites de
busca para constatar que as entrevistas de três, cinco, dez anos atrás
tinham o mesmo tom ufanista. É natural.
Já o tom motivacional se explica pela trajetória de vida do segundo
tenente Nobre. Voluntário na infantaria do exército, formado em Direito e
líder quase absolutista do Palmeirinha, time que fundou aos sete anos
de idade, o presidente teve de tratar com terapia a relação com o
Palmeiras e sua cor.
– Sempre fui muito palmeirense, tratei com terapia para entender.
Quando era moleque, tomava bronca porque dormia com uma camisa do
Palmeiras quando estava com medo de alguma coisa. Ela me fazia sentir
mais seguro. Também só ia à escola de roupa verde. Costumo dizer que o
Palmeiras é um estilo de vida, quase uma religião.
Paulo Nobre recebeu o GloboEsporte.com em sua sala provisória na
Academia de Futebol, enquanto a Arena não fica pronta. Sobre a mesa, uma
infinidade de papéis e três celulares, dos quais só utiliza um. O outro
é quase decorativo, e o rádio, para se comunicar com o segurança, vive
sem bateria. Com botões da camisa abertos e dezenas de porcos – sua
coleção tem mais de mil – sobre a estante, misturava alívio pelo acesso e
preocupação com a situação financeira ainda calamitosa do clube.
O amor pelo Verdão guia a biografia deste homem de 45 anos, nascido no
dia 24 de fevereiro de 1968 numa família de alta classe sem
absolutamente nenhum palmeirense. O pai, Fernando, já tinha 60 anos
quando Paulo veio ao mundo. Na era amadora, havia sido torcedor do
Paulistano e fã de Friedenreich, mas foi contra a profissionalização do
futebol.
– Ele achava que era um esporte de “gentlemen”.
Na Copa de 1974, o pai comprou uma televisão em cores, artigo raro na
época, e os jogos em sua sala se tornaram eventos. O menino de seis anos
gostava de brincar de futebol com um empregado santista. Era goleiro e,
por causa da seleção brasileira, gritava “Leão” a cada defesa. Até o
dia em que aguçou a curiosidade para saber onde jogava o ídolo
platônico. Descobriu: Palmeiras.
Alfabetizado em domicílio por uma tia, professora, Paulo Nobre demorou a
entrar na escola. Lá, seus melhores amigos eram palmeirenses. Um deles
era Ricardo Signorini, hoje conselheiro do clube. Foi o pai dele, tio
Jamil, quem o levou pela primeira vez ao estádio. Em 77, Paulo assistiu
ao empate por 1 a 1 entre Palmeiras e Santos, no Pacaembu.
– Quando entrei, meus olhos brilharam, e pensei: é isso, isso é vida.
Tio Jamil criou um problemão para a família. Frequentar arquibancadas
não estava entre os programas favoritos do pai e do irmão, 17 anos mais
velho. Paulo encontrou, então, uma cúmplice em sua mãe Taïsa (com trema
no i, homenagem do avô a uma personagem de Shakespeare). Em 1980, ela o
levou a Porto Alegre de avião para um jogo decisivo contra o
Internacional. O menino entrou em campo como mascote, ao lado dos
ídolos. Em São Paulo, o pai acreditava que eles estavam apenas passeando
pela Serra Gaúcha.
Presidente de dois clubes
Paulo Nobre se deu um presente de aniversário quando completou sete
anos. Ao lado dos amigos palmeirenses da escola, entre eles Signorini,
fundou o Palmeirinha. Um despretensioso time de crianças que marcava
jogos contra outros garotos, e hoje tem estrutura invejável: gramado –
no padrão Fifa, diz ele –, vestiários, alambrado... Tudo em sua chácara.
Um grande grupo de 30 pessoas se divide em times verde e branco para
duelos semanais, às segundas-feiras. Há regras. A equipe aceita todos os
torcedores, mas é terminantemente proibido usar qualquer peça de outro
clube brasileiro.
Desde que foi eleito no Palmeiras, Paulo Nobre não foi a nenhum jogo,
embora eles ainda aconteçam no “quintal” de sua casa. Um alívio para os
comandados. Ele já passou por todas as posições, com destaque para a
disciplina na zaga e a qualidade nas bolas paradas. Mas não devia ser
fácil jogar a seu lado.
– Nunca permiti que o Palmeirinha tirasse onda. Se jogador do meu time
metesse canetinha, chapeuzinho, ia para o banco. E não ia tomar banho,
não. Ficaria vendo o jogo até o fim. Pode chegar ao vestiário e me
quebrar de porrada, mas no campo não discute comigo. Se eu falei,
engole. Prefiro que todos tenham raiva de mim, mas continuem unidos.
Sempre fui muito disciplinador.
“Eterno presidente”, jogador, capitão e técnico. Assim se resume a
participação de Nobre no seu (literalmente) time. Questionado em tom
provocador pela reportagem se seria uma espécie de Juvenal Juvêncio do
Palmeirinha, em alusão ao estilo centralizador do presidente do São
Paulo, apenas riu. – Isso é você quem está dizendo.
Distante de seu hobby, Nobre carrega a tatuagem de um porquinho de
braços cruzados em sua canela. É o símbolo do time. Mas orgulho mesmo
ele tem de um dos atuais jogadores do Palmeirinha: Evair.
O maior ídolo de Nobre, até então, só havia ido à sua casa em formato
de pôster. A comemoração de seu gol contra o Corinthians, na final do
Paulistão de 1993 que encerrou um período de 17 anos sem títulos, está
retratada em cinco metros. Quando Evair, em pessoa, visitou Nobre pela
primeira vez, ele não estava.
– Fizeram uma surpresa pra mim no dia de uma reunião do Conselho no Palmeiras. Fiquei p...!
Quando surgiu o Alviverde...
Hoje, Paulo Nobre preside o Palmeiras, filiado à Federação Paulista de
Futebol, comandada por Marco Polo Del Nero. Mas a relação entre eles é
antiga. Paulo foi colega de classe de sua filha Carla, e, num clube da
Granja Viana, bairro de São Paulo, jogou bola no mesmo time de seu filho
Marquinhos. Marco Polo era o técnico. Em 83, já influente no Palmeiras,
o atual presidente da FPF deu a Nobre uma ficha de sócio do clube.
O gesto começou a mudar a cabeça do rapaz. Aos poucos, ele sonhava
menos em ser jogador e mais em ser presidente. Pensamento que se
fortaleceu numa viagem aos Estados Unidos, em 1992, pouco depois de o
clube assinar parceria com a Parmalat e dar início ao período mais
vitorioso de sua história.
– Consegui uma camisa do novo patrocínio e fui ver um jogo da Seleção.
De repente vejo um cara também com a camisa. Como será que ele conseguiu
se foi tão difícil para mim? Conversamos, ele me disse que o César
levou para ele. O César era o César Sampaio, e ele era filho do Carlos
Facchina, presidente do Palmeiras.
Em 97, Facchina ajudou Nobre a se posicionar em uma chapa para
concorrer a uma vaga no Conselho. Aos 29 anos, depois de estudar a
política do clube e buscar votos entre sócios que não frequentavam o
Palmeiras, pois os mais presentes já estavam ligados a conselheiros
antigos, ele se elegeu com 29 votos. Repetiu a dose em 2001 e 2005, até
ser eleito vice-presidente e se tornar vitalício em 2007.
Por Alexandre Lozetti -
São Paulo