A Suíça aprovou no último domingo uma "iniciativa contra a
imigração em massa" por uma diferença bem pequena: 50,3% dos eleitores
votaram a favor da proposta que prevê cotas anuais de vistos para os
vizinhos de países europeus viverem na Suíça.
Se tivesse sido adotada há alguns anos, tal medida poderia trazer
problemas à seleção suíça na Copa do Mundo: dos 30 jogadores convocados
em 2013, 17 têm origens estrangeiras. Entre eles, o meia Xherdan
Shaqiri (Bayern de Munique), nascido em Kosovo (os pais são de Kosovo e
Albânia) e criado na Basileia.
Além de Shaqiri, os volantes Behrami e Xhaka vieram com seus
pais do Kosovo, fugindo da guerra que assolou o país no fim dos anos 1990. Há
ainda casos de filhos de imigrantes
turcos, curdos, cabo-verdianos e bósnios. Há jogadores que nasceram na Costa do
Marfim, na Colômbia e na Nigéria, mas cresceram na Suíça.
O volante Inler é um dos principais exemplos. Capitão da
equipe, ele nasceu na Suíça, mas é filho de turcos. Chegou a jogar pela seleção
sub-21 de seu país de origem, mas optou pelos helvéticos. A gratidão por quem o
acolheu desde pequeno falou mais alto.
- Eu joguei uma vez pela seleção sub-21 da Turquia, mas
depois acabei não tendo mais contato com eles. A Suíça em seguida lutou muito
por mim. Eu tive uma boa conversa com o então técnico Jakob Kuhn, que me abriu
portas para jogar pela seleção. O relacionamento foi tão bom que optei por
jogar na Suíça. Uma decisão da qual não me arrependo – disse o jogador ao Globoesporte.com.
CAPITAL DE MIGRANTES
Com
tradição de país neutro, a Suíça se tornou um dos
destinos mais procurados por pessoas de outros países europeus menos
desenvolvidos em busca de oportunidades. Refugiados das guerras que
ocorreram nos Bálcãs nos anos 1990 também imigraram em massa para a
região. Entretanto,
não houve qualquer incentivo por parte das autoridades helvéticas.
- O governo não incentivou isso. Mas, como o padrão de vida
aqui é muito alto, isso atrai muitas pessoas de outros países. A Suíça
tem uma tradição de ajudar pessoas estrangeiras em dificuldades, foi
assim nas duas guerras mundiais. Isso se sente até hoje – gente que foge
de guerra em seu pais nativo recebe asilo aqui. Muitos jogadores
da seleção vieram para cá quando eram crianças, ou então seus pais
vieram para
cá há muito tempo, e eles nasceram aqui, obtendo dupla nacionalidade –
explicou
Mathias Germann, editor do site suíço “Sport.ch”.
Entretanto, os jogadores de futebol fazem parte de uma minoria
privilegiada no país. De acordo com Germann, estrangeiros “normais” sofrem
ocasionalmente preconceito e se constituíram num dilema para o governo local.
- As pessoas normais sofrem discriminação de tempos em
tempos, mas os jogadores normalmente são idolatrados. Claro, quando jogam mal,
é possível que haja comentários racistas na Internet, por exemplo, mas são
exceções. No momento, a pergunta que mexe com as pessoas é: o que se faz com os
estrangeiros? De um lado, somos dependentes deles porque a economia necessita
de gente, por outro existe o medo de que suíços possam sofrer com o desemprego –
completou Germann.
A
história de Inler ilustra bem a situação vivida na Suíça. O pai veio da
Turquia em busca de uma vida melhor; o filho, no caminho para se
tornar jogador,
resolveu defender o país para agradecer pela hospitalidade.
- Meu pai veio para a Suíça para trabalhar. Depois que ele
encontrou um emprego, minha mãe se mudou para a Suíça também. Eu nasci aqui e
tive uma infância muito feliz. A maior parte da minha juventude eu passei
jogando futebol. Até por isso não tive a oportunidade de me dedicar tanto aos
estudos quanto gostaria. Tive de fazer uma escolha já que o futebol sempre foi
a minha grande paixão – contou o volante do Napoli.
PLURALIDADE A FAVOR
Por enquanto, a pluralidade cultural que tomou conta do país
e, consequentemente da seleção, não atrapalha em nada a Suíça. O time se
classificou em primeiro lugar no Grupo E das eliminatórias e será uma das
cabeças de chave da Copa do Mundo. Sinal de que a mistura vem dando certo.
- Nós não ligamos para a nacionalidade de cada um, nem de
onde veio cada jogador. Somos uma equipe, um grupo fechado em busca dos
objetivos – garantiu Inler.
- A seleção representa a população da Suíça, que é bastante
multicultural. A maioria das pessoas vê isso de forma positiva, já que isso é
um símbolo de uma integração bem sucedida. É claro que no futebol há mais “estrangeiros”,
porque eles normalmente têm mais afinidade para o esporte ou veem uma possibilidade de subir na escala
social (e monetária). Mas tudo não é tão extremo como em países pobres, já que
todos aqui recebem a chance de ter uma educação adequada – disse o jornalista
Germann.
Jogadores festejam gol sobre a Albânia, pelas eliminatórias (Foto: Agência EFE)
BOM TRABALHO NA BASE
Se
a Suíça conseguiu aproveitar esta pluralidade, o mérito é também da
federação de futebol local. A entidade montou um trabalho de
desenvolvimento da base e conseguiu colher rapidamente os frutos da
"mão-de-obra" qualificada que recebeu de presente por causa das
características do país.
Em 2009, a seleção sub-17
foi campeã mundial com 100% de aproveitamento, eliminando o Brasil na
fase de grupos, além de Alemanha e Itália no mata-mata. Na decisão,
bateu a anfitriã Nigéria. Naquele time, estavam Xhaka, Kasami e
Rodríguez, todos na seleção principal atual, assim como outros
"estrangeiros" que ainda não vingaram.
Shaqiri ergue a Champions: no ombro, bandeiras da Suíça e do Kosovo (Foto:Getty Images)
-
A Federação começou já no fim da década de 1990 um programa de educação
futebolística de muita qualidade, comparável ao da Holanda; Campos de
treinamento perfeitos, ótimos treinadores, infraestrutura e uma ótima
organização com escolas: isso tudo fez com que muitos jogadores tivessem
uma base muito boa para se tornar jogadores profissionais. Como
consequência, praticamente da seleção principal passaram pelas equipes
de base da Suíça (sub-15 até sub-21) 0 explicou Germann.
Entretanto,
a boa preparação nas categorias de base pode sair pela culatra. Isso
porque alguns jogadores, assim como o brasileiro Diego Costa na Espanha,
podem optar por defender outra seleção. A principal ameaça é o Kosovo,
que luta por seu reconhecimento na Fifa e, se conseguir, pode contar com
Shaqiri, Xhaka e Behrami. Uma hipótese menos provável é a ida do
atacante Derdiyok para o Curdistão, território na Ásia que ainda busca a
independência. Por enquanto, a estratégia é não se preocupar com que
pode nem acontecer.
- Eu gostaria de não especular.
Hoje o Kosovo ainda não é reconhecido oficialmente pela FIFA. Portanto,
não há necessidade de qualquer especulação - afirmou Inler.
-
Uma coisa é lógica : Esses jogadores têm uma conexão muito grande com o
Kosovo, eles amam o país. Na minha opinião, eles vão continuar jogando
com a Suíça, até que a chance de alcançar metas maiores com o Kosovo
apareça. Como isso pode durar muito tempo, acho que não será algo
provável nos próximos anos - analisou Germann.
Por Felipe Schmidt - Rio de Janeiro.